“Estamos historicamente demasiado afeitos a que fagam chança com um por falar em galego, tanto que o vemos quase normal”

Miguel Rodríguez Carnota é professor de ensino
secundário e linguista. Acredita que Galiza deve fazer o mesmo que
muitas naçons fixeram antes: recuperar sua independência e avançar no
mundo. Foi coautor do método de lectoescritura Chirlo Merlo (Ir Indo,
1991), concelheiro do BNG em Paderne entre 1999 e 2011, e hoje em dia é
membro da Junta Diretiva da “Asociación Cultural Roxín Roxal”.
Está prestes a rematar sua tese de doutoramento, na
qual visa -através duma metodologia de pesquisa etnográfica- os
processos de substituiçom linguística que tem sofrido o estudantado
adolescente galego durante os últimos dez anos. Após termos publicado
três artigos informativos do seu trabalho acadêmico, de grande sucesso
entre as leitoras, queremos aprofundar no seu relevante estudo para
conhecermos os processos psico-sociais, culturais e políticos que
subjazem à assimilaçom cultural, dentro da instituiçom escolar.
Som frequentes, no nosso país, os
relatórios académicos e institucionais focados na análise estatística
dos usos linguísticos em diferentes contextos (escolar, judicial,
informativo, etc.). A tua pesquisa, porém, ultrapassa a frialdade dos
números para penetrar no terreno da experiência subjetiva de
adolescentes assediados por falar em galego nos liceus. Quais som as
razons para a escolha deste método de pesquisa?
Seguramente a proximidade com o problema, o facto
de estar vivendo e trabalhando num liceu de secundário, num contexto
onde as tensons linguísticas derivadas do conflito que padecemos se
vivem dun jeito às vezes larvar, mas nom por isso menos cruel. Ademais,
o facto de serem pessoas adolescentes as protagonistas fai ainda mais
sensível cada uma das situaçons descritas. No meu trabalho participam
como informantes um número de pessoas muito novas, todas elas exalunas
de centros de ensino vilegos, que relatam em profundidade súas
experiências com a lingua galega dentro desses centros de ensino. Tento
aprofundar todo o que podo nas suas vivências, que com frequência cruzo
com a observaçom direta, em primeira pessoa, dos fenómenos que se me
descrevem. É um trabalho apaixonante, com certeza. Mas nom som eu o
primeiro em encetar uma pesquisa qualitativa neste eido do idioma e da
mocidade. Ana Iglesias ou Valentina Formoso forom para mim referentes
chave na hora de focar o meu trabalho.
Num dos teus artigos sinalas como um dos
objetivos do teu trabalho: “descobrir quais som as razons últimas e mais
íntimas do abandono da lingua galega por parte dos adolecentes vilegos”.
Poderias avançar quais som os fatores que motivam o acentuado abandono
da língua nesta faixa etária da populaçom?
A minha pesquisa parte dum facto repetidamente
observado e duma pergunta que automaticamente salta para a mente de
qualquer observador sensível. O facto a que me refiro é que as poucas
alunas e alunos galegofalantes que entram num liceu vilego em que o
espanhol é a lingua de uso comum entre o estudantado acabam mudando para
esse idioma em questom de meses. O que se passa pola cabeça deles, pola
sua experiência vital para que isto aconteça, quando falam em galego
desde a infância e na casa continuam a falá-lo? O que acontece no
ambiente geral do liceu para que um adolescente galegofalante nom poida
na prática exercer sua liberdade de falar na língua que lhe peta? Qual é
o currículo oculto do centro no que ao uso real da língua se refere?
A experiência relatada polas pessoas informantes,
que interpretam seu passado recente a partir duma perspectiva adulta, e
portanto com o problema numa fase diferente, fala duma pressom social
enorme contra a pessoa adolescente galegofalante. Um assédio escolar em
toda regra, semelhante ao que poderia existir nos mesmos contextos em
razom de gênero, de orientaçom sexual ou etnia. Só que em questom de
língua galega tudo fica mais oculto, mais assumido, mais normalizado.
Estamos historicamente demasiado afeitos a que fagam chança com um ou
com uma por falar em galego, tanto que o vemos quase normal. Porém,
estas situaçons som com frequência terríveis, muito dolorosas na carne
adolescente.
Nomeias as agressons por razom de língua
com a categoria de “microespanholismos”, assinalando numerosos exemplos
desta violência impune. Alcumes como: “galhego”, “falagalego”,
“falaganham” ou “radical”; e as suas consequências: isolamento social,
perda de autoestima, sentimentos de vergonha, entre outras. Como surgiu
este conceito-chave e por que o empregas no teu trabalho? Som os
microespanholismos um dos fatores causais, a nível microsocial, do
auto-ódio galego?
Nos artigos publicados recentemente decidi utilizar
um conceito já existente, o de microespanholismos, como o correlato no
campo linguístico do fenômeno que no campo das agressons sexistas
representam os micromachismos, tam usuais nas relaçons humanas das
sociedades patriarcais e, felizmente, tam questionados na atualidade
desde o feminismo. Microespanholismo, porque em todas estas atitudes e
factos que mencionas na pergunta, e que estam documentados polos
informantes na pesquisa, existe uma crenza de base, professada polos
agressores, que é a superioridade nata do espanhol sobre o galego, igual
que o machista crê na superioridade do seu gênero ou o racista no da sua
raça. Nom é de estranhar, esta é uma crença muito assentada na nossa
sociedade, da que muitas pessoas adolescentes som participantes dum modo
mais ou menos consciente. Este tipo de microagressons linguísticas som,
mais do que a causa, o efeito da situaçom de subordinaçom em que o nosso
país, língua incluida, se encontra.
De acordo com o teu trabalho, a maior parte
da pressom social que leva o estudantado de fala galega a desistir como
tal nom vem do corpo docente, senom dos seus próprios colegas. Por que
achas que é maior a violência entre pares?
Certo, a maior parte da pressom, a mais efetiva,
vem dos pares. Parece lógico que seja assim: a pessoa adolescente
procura un acomodo entre os seus iguais. Todas e todos passamos por isso
e sabemos do enorme poder do grupo, dos líderes, das aceitaçons e das
exclusons nessa faixa etária, nesse momento vital. Se um rapaz ou uma
rapariga decide deixar de falar galego com os seus pares nom é polo que
opinem os seus professores, o seu pai ou a sua mae; é polo que opina a
sua turma, polo tipo de encaixe que pode atopar ou deixar de atopar
nela. A partir deste facto refletimos sobre como discorre o poder na
sociedade. Vamos ver: há uma ideia de base que nos acompanha desde o
nascimento, que é a prevalência duma língua e duma cultura sobre outra,
num lugar onde as duas estam em conflito. É uma ideia interessada,
claro, que responde a essa conjuntura social, política e nacional que
todos conhecemos. E depois há umas pessoas que, de jeito maiormente
inconsciente, especialmente se som adolescentes, se encarregam de
transmitir essa ideia em toda a sociedade, ali onde puderem chegar.
Sentem-se legitimadas para isso. Nom é que acordem pola manhá com a
intençom de espalhar a ideologia dominante, claro que nom, mas é o que
acabam fazendo dum jeito automático, irreflexivo, indocumentado. Pobres
dos poderosos se non tivessem quem lhes espalhasse sua ideologia até o
recanto máis afastado da nossa sociedade! O que me interessa no meu
trabalho é precisamente esse tipo de microprocessos que se dam com tanta
frequência e com tanta impunidade. Defini-los e estudá-los, para poder
combatê-los bem.
Os liceus, como indicas, estam concebidos
legalmente como espaços de respeito e tolerância, mas acabam no plano
real sendo exatamente o oposto em relaçom aos hábitos linguísticos das e
dos adolescentes de fala galega. Por que esta violência se torna
invisível aos olhos do professorado e da maior parte da comunidade
educativa?
O facto de que, para os meus informantes, a
principal pressom social venha dos pares nom deixa livre de
responsabilidade o professorado, nem muito menos. Também há, no
testemunho dalguns informantes, relatos sobre agressons diretas contra
seu hábito galegofalante empreendidas por parte de membros concretos do
professorado. Som situaçons que, num contexto de normalidade, teriam
criado problemas sérios, mas que no ambiente geral de silenciamento e de
confronto soterrado nom podem vir à luz. Obviamente, a maioria do
professorado nom responde a esta atitude, mas sim podemos falar, en
geral, duma enorme falta de sensibilidade em relaçom ao tema, uma falta
de sensibilidade que nom encaixa muito bem com o seu papel de
educadores. Muito poucos professores ficam escandalizados com o facto de
os escasos galegofalantes que entram no liceu mudarem sua lingua para o
castelhano ao pouco tempo de entrarem ai; a maioria ou nom se importa ou
nem sequer se decata. Que haja alunas que abertamente reconheçam que
mudam de língua porque “cuando hablaba en gallego se metían conmigo” nom
fai saltar nenhum tipo de alarma. Um sistema educativo saudável devería
cuidar dos adolescentes galegofalantes como ouro em pano.
Existe um conceito muito interessante, aplicado
desta vez ao mundo da orientaçom afetivo-sexual, que é o da
heteronormatividade. O normal, segundo todos os cânones, é ser hetero e
quem nom o for e nom quiger ocultá-lo já pode preparar-se para passá-lo
muito mal. Nos ambientes escolares que estudo na minha pesquisa podemos
falar de hispanonormatividade. O normal entre os adolescentes é falar
espanhol entre eles. O que puger um pé fora de ai vai ter que confrontar
as conseqüências ante a passividade geral do ambiente. Esta violência
simbólica torna-se tam invisível no centro de ensino quanto no resto da
sociedade, exceto espaços muito concretos e muito acoutados. O
professorado nom é diferente do resto da sociedade: há sensibilidades
variadas e até conflitantes sobre o tema da língua, mas o normal –e o
realmente preocupante- é que ganham as atitudes de aceitaçom e de
passividade perante estes fenômenos tam graves que acontecem diante dos
olhos de todos.
O teu trabalho demonstra que o sistema
escolar “público” nom está a desenvolver um trabalho normalizador
efectivo da língua própria. Muito polo contrário, nem se quer é capaz de
ajudar a manter o galego no estudantado que já o possuía desde o início.
O que há de errado com o planejamento linguístico do sistema educativo
na Galiza?
Eu, curiosamente, som professor de inglês, nom de
galego nem de história. Uma das maiores satifaçons que recebo como
docente é quando comprovo que as e os alunos experimentam que o inglês
non é uma cadeira senom uma língua. Que com esse instrumento de
comunicaçom podem viajar, conhecer, fazer amigas e amigos, abrir-se ao
mundo dum jeito diferente e mais rico, sem deixar de serem galegos,
inclusive com a sua galeguidade reafirmada. Adoito viajar com eles em
projetos internacionais para a Islândia, Finlândia, Letônia e outros
países e com certeza é uma maravilha quando vejo que este novo horizonte
se cria nas suas vidas. Já gostaria de que isso acontecesse também com o
galego, que o nosso idioma, depois da passagem polo sistema educativo,
lhes servisse aos nossos jovens para ser mais eles e elas, para
conetarem nom só com o seu passado como membros deste povo, senom também
com o presente e com o futuro através da lusofonia. Que percebessem que
o galego nom pode fazer senom abrir novos horizontes. Que entendessem
que o nosso idioma, já carente de tutelas e pesadas cargas, nos ajudaria
a ser mais livres e certamente mais prósperos.
No planejamento educativo da língua galega vejo
errado quase tudo, infelizmente. Desde a demonizaçom dos programas de
imersom até a reclusom da nossa língua em determinadas cadeiras,
passando polos reiterados e tolerados incumprimentos dessa mesma
legislaçom que estabelece as línguas em que se ham de lecionar as
cadeiras, un incumprimento que se dá o noventa por cento das vezes em
detrimento do galego. E aqui nada acontece.
Indicas que nas regions mais povoadas da
Galiza falar normalmente em galego é quase impossível para uma criança,
e para uma pessoa adolescente pode ser um exercício de risco. Que
estratégias coletivas podemos gerir para que crianças e adolescentes, em
situaçom de singularidade idiomática, possam desenvolver-se plenamente
na sua língua?
Todos os testemunhos que recolho no meu trabalho,
que fam precisamente referência a uma dessas áreas mais povoadas da
Galiza, falam dos problemas sérios que as pessoas adolescentes ham de
enfrentar se querem expressar-se em galego com normalidade no seu
ambiente escolar e social, além da peça teatral do Dia das Letras ou de
três ou quatro usos mais, padronizados. Também há no meu estudo
informantes que fam o caminho inverso, que num momento determinado das
suas vidas, ainda sendo adolescentes, decidem que devem falar em galego
com seus pares e começam a falá-lo. Nom é um caminho de rosas em nenhum
caso, porque em todos eles se derom atitudes de rejeiçom por parte do
meio, desde situaçons suportáveis até as mais graves, de assédio por
razom de língua.
Há uma circunstância que ajudou a muitos destes
adolescentes a reafirmarem-se no seu novo hábito galegofalante que foi a
existência de coletivos, de espaços e lugares concretos fora do sistema
escolar onde podiam exercer de galegofalantes sem que ninguém lhes
recrimina-se nada. A própria existência desses lugares seguros, desses
espaços de liberdade, é já todo um sintoma da exclusom social que
padecem fora, mas estes espaços son úteis para fortalecerem atitudes
nesses momentos de incerteza. Obviamente, isso nom deixa de ser um
parche, uma soluçom temporária que pode ser acaída quando fora está a
diluviar. O problema real, num sentido amplo, temo-lo na dependência do
nosso país, que se torna claro a tantos níveis e se reflete muito
fielmente no linguístico. Esse é o fundo do problema.
Em 2011 nascem as Escolas de Ensino Galego
Semente no C.S. A Gentalha do Pichel, com a finalidade de desenvolver um
projeto educativo nacional, de imerssom linguística e transformador.
Hoje há seis escolas em todo o país e mais três em andamento. Como
valoras este projeto popular, sem fins lucrativos, para a construçom da
identidade linguística das crianças?
Muito positivamente, apesar de estar eu trabalhando
no ensino público e defendendo-o com força. Mas eu, a dia de hoje, se
tivesse uma filha em idade escolar tentaria mandá-la a uma Semente como
primeira opçom. Aproveito para incentivar a aquelas maes e pais do
ensino público que querem manter o idioma nos seus filhos e filhas a que
se deixem ver polo centro de ensino, que conheçam as e os professores e
que falem com eles e elas abertamente sobre o que esperam do colégio ou
do liceu em relaçom à língua galega e aos hábitos linguísticos das suas
crianças. Que pressionem de fora e que procurem cumplicidades com o
professorado sensível ao galego, que certamente existe.
Nos teus artigos refletes muito optimismo
sobre o futuro da nossa língua e do nosso país. Quais som as chaves que
podem contribuir para uma recuperaçom dos nossos dirieitos sociais,
políticos, econômicos e culturais como povo?
Realmente pensas que reflito muito otimismo? Oxalá
fosse assim. A única causa para desbotar o catastrofismo, cousa que sim
fago, é pensar que nenhum povo pode ser tam descastado como para
deixar morrer sua língua e que por força isto que hoje padecemos deve
ter um final, se nom feliz, polo menos nom tam trágico. Se olharmos em
volta, vemos como línguas que hoje se falam com normalidade passarom por
grandes dificuldades ou estiverom diretamente na UVI; o finês ou o checo
som bons exemplos disto. Aguardo que algum dia o galego, devidamente
reintegrado no seu tronco natural, se poida encontrar na mesma situaçom
de língua normal. Mas para isso é preciso muita consciência, muito
trabalho e muita firmeza.
https://www.galizalivre.com/2018/12/09/estamos-historicamente-demasiado-afeitos-a-que-fagam-chanca-com-um-por-falar-em-galego-tanto-que-o-vemos-quase-normal/