O primeiro dia de escola

Chama-se Brais. Tem três anos. Hoje começa a
escola. Vai ao CEIP do Corgo. Brais fala galego. O Corgo é um município
gadeiro de 3.523 habitantes. A mestra organiza umha reuniom com as
famílias. Explica que vai ensinar a ler e escrever em castelhano porque
eles falam "galego dialetal". A mestra leva trinta anos transmitindo
preconceitos contra o galego. Passárom muitas crianças polas suas maos.
Sabe fazer o seu trabalho. "Noite" escreve-se "noche"; "maçá",
"manzana"; "cam", "perro". No Dia das Letras o seu alunado pinta umha
ficha de Maria Victoria Moreno. O pai e a mae do Braisinho ficam
surpreendidos, ao final do curso o meninho com eles fala castelhano. O
claustro nom fai nada. A inspeçom educativa nom fai nada. A Junta nom
fai nada. Deixam fazer.
Lua tem três anos. É o primeiro dia de aulas.
Toca-lhe ir ao colégio de Ares. Lua fala galego. Ares é um município
marinheiro de 5.658 habitantes. Lua vai sempre chorando à escola. Nom
consegue adaptar-se. Ao pouco muda de língua também na casa. É mui
pequena para o passar tam mal. A sua família decide quitá-la da escola.
Ao ano seguinte matriculam-na na Semente. Lua cura a sua ferida
linguística. Ninguém a acossa por usar o castelhano. Nom é humilhada. As
outras crianças nom rim dela por falar diferente. Acompanham o seu
processo. Brincam, cantam, saltam nas poças, plantam morangos, lêem
contos. Lua recupera o galego.
Cada novo curso centos de funcionários destroem a
identidade das crianças galegófonas. Foi o que aprendérom na
universidade. A sua prática contribui ao etnocídio. Assim qualifica a
UNESCO esta "forma estrema de violaçom maciça dos direitos humanos". Nem
o Brais nem a Lua vam sair na capa de "El Mundo" nem de "La Voz de
Galicia". Para a imprensa espanhola, o extermínio da nossa língua nom é
notícia. Muito menos as experiências positivas de revitalizaçom. Eles
dedicam-se a ocultar e branquejar toda esta violência sistemática. Para
a contra-rrestarmos, cumpre a ativaçom do professorado e das famílias.
Talvez as crianças que vam a Semente sejam poucas,
mas o salto qualitativo é enorme. Elas convertem-se nas protagonistas da
normalizaçom linguística. Som tratadas como agentes ativos, nom como
recetores passivos. Neste modelo de imersom prima a horizontalidade. O
vínculo emocional entre os iguais nutre a própria autoestima e reforça a
motivaçom. A Semente está a levar à prática um novo paradigma estudado
por Paula Kasares: da língua materna à fraterna, do
unidirecional ao interativo, da transmissom à socializaçom. As crianças
venhem para mudá-lo todo, também o comportamento linguístico das pessoas
adultas.
https://www.sermosgaliza.gal/opinion/marcos-abalde/o-primeiro-dia-de-escola/20180918103055072131.html